Muitos pensadores como Aristóteles, Tomás de Aquino e Descartes ocuparam-se em estudar e compreender a justiça. Em alguns casos, foram além. Propuseram a idéia de que existe em nossa essência, ou nela encontra-se registrada a justiça, e para que ela seja ativada numa escala superior, falta ao ser humano a consciência a respeito, sobretudo a sua prática.
Em contrapartida, o filósofo Thomas Hobbes, empenhou-se em explicar a necessidade de existir um controle social, dada a natureza individualista e violenta do homem. No estado ainda atrasado em que nos encontramos, as ações controladoras de uma sociedade servem para conduzir as relações nela existentes, haja vista as barbaridades com as quais nos deparamos cotidianamente, pela televisão, rádio, jornal ou pessoalmente.
Podemos compreender estas questões da vida de diversas formas, através das experiências e do conhecimento adquirido. Para lidar com as dificuldades cotidianas, valemo-nos desta bagagem, a qual, presumimos, nos servirá para afastar os perigos existentes. Contudo, sempre somos pegos de surpresa, apesar de já termos evidenciado o nosso lado experiente.
É possível supor que exista um sistema auto-regulador em nossa mente, de cujas funções visam os ajustes de desenvolvimento por meio da justiça. Encontramos dentro de nós aquilo que é representado externamente e fruto da nossa criação, as essências de determinados papéis: advogado de acusação, de defesa, e o juiz que profere a sentença.
Contínuas experiências de vida nos exemplificam estas atuações auto-reguladoras, em que determinadas situações se nos apresentam “impróprias”, dando-nos a sensação de que haja algo errado existente, uma “injustiça”, porque estamos acostumados a lidar com a justiça pela ótica comum. Enxergamos a causa (ação injusta evidente) e o efeito (punição). Entretanto, é quase impossível perceber a causa (ação injusta e evidente praticada em determinado momento no passado e posteriormente “esquecida”) como a protagonizadora de determinado efeito (punição) no tempo presente. E, para dificultar, as autopunições não estão escritas em código algum, portanto, não podemos prever quais serão.
Podemos, ainda, fazer uma comparação com o famoso provérbio popular: “Aqui se planta, aqui se colhe”. Esta lei é uma força dinâmica que a tudo faz ativar, dando um constante impulso rumo à evolução. O Criador é infinitamente sábio, a ponto de dispor em suas criaturas, um sistema de auto-regulação, dispensando, evidentemente, a caderneta e o lápis.
Temos em nossas mãos a possibilidade de um melhor controle sobre o que pensamos, sentimos e agimos, devido aos resultados prováveis e decorrentes. Podemos compreender mais claramente sobre os mecanismos naturais que regulam a vida e assim mudar o enfoque de nossa própria atuação, valendo-se desta riqueza de possibilidades, inclusive do quanto podemos evoluir, à medida que damos lugar à consciência, assumindo maior responsabilidade perante o que somos e o que pretendemos enquanto seres humanos em desenvolvimento.
Este sistema mental auto-regulador encontra-se sob a forma potencial e disponível desde o nosso nascimento. Não obstante, quando pequenos e ainda dependentes, ficamos a mercê dos outros e de suas influências. Com o passar do tempo, acionamos o mecanismo aqui relatado, tornando-nos, cada vez mais, responsáveis pelo que fazemos. O sistema se torna presente de forma ativa e inconsciente a partir do desencadear da formação do conflito entre a natureza presente no homem e da introdução das regras e códigos morais que cada sociedade apresenta na educação de suas crianças.
Conforme este processo vai acontecendo, o sistema é acionado enquanto agente responsável pela culpa, punição e conseqüente desenvolvimento. Tal funcionamento não é linear e tampouco ocorre livre de obstáculos, podendo ser adiado e retomado em vários momentos da vida e de diferentes formas em sua aplicação, variando em cada pessoa, conforme a capacidade em lidar com tais acontecimentos ou de seu grau de consciência acerca dos valores de justiça internos.
Desde o homem primitivo e sua socialização histórica, este sistema vem se aperfeiçoando, o que explica a falha e irregular aplicabilidade, além dos resultados obtidos até o momento. O tempo aprimorará o sistema, acompanhando cada passo do homem em sua jornada evolutiva.
O funcionamento do sistema se dá por meio da ativação de culpa cometida; seja ela por pensamentos, sentimentos ou comportamentos, a qual cria uma demanda corretiva, tendo por impulso o narcisismo equilibrado, zelador da busca pela perfeição, que a seu turno, aciona o fator moral para efetuar na prática, tal ajuste, levando a pessoa a uma determinada sentença por algum período de tempo, a exemplo das situações embaraçosas que nos colocamos sem entendê-las bem. De um lado temos a nossa natureza para defender aquilo, que em contraposição a moral apresenta enquanto culpa, resultando disso, via de regra, a sentença ou punição como veredicto.
O sistema funciona na autocorreção, considerando os fatos cometidos para si e para terceiros, o que não impede que influências externas, vindas de outrem, não interfiram, o que justifica a existência do livre-arbítrio.
Acionamos todo momento nosso sistema de auto-regulação, e cada vez mais, podemos nos aproximar deste entendimento lógico, aumentando a sua consciência e assim modificar os resultados de tudo o que vivemos, uma vez que nos cabe um controle para tal empreendimento, dando-nos a grata opção de causar, como sempre o fizemos. Todavia, podemos antever os resultados naturais em forma de respostas, que atualmente se nos parecem absurdas. Desta feita, chegaremos à virtude de um viver ético de dentro para fora.
Sair do casulo do inconsciente é permitir que a nossa essência se assemelhe à luz da manhã, que vai ganhando espaço sobre a escuridão que é deixada para trás.
Fonte: Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo e psicoterapeuta
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